
QUARUP
Newton Baiandeira
Movimentos de rara beleza
Versos de selvagem poesia
Ritmos aflitos de tambores
Compõem um magnífico espetáculo
De fé e dor e magia
Um ritual que revive os mortos
E emociona os vivos.
PALAVRA DE ÍNDIO
Newton Baiandeira
Eu não tenho pátria
Porque pátria é terra
E eu não tenho terra
Eu não tenho vida
Porque vida é liberdade
E eu sou cativo
Eu não tenho paz
Porque a paz é branca
E eu sou índio
CACHIMBO DA PAZ
Newton Baiandeira
Cadê o índio, seu oportunista
Que tinha terras de perder de vista?
Catequizado pelo padre jesuíta
Trocou apito pelo grito de guerra
Cadê a terra que virou colônia?
A Amazônia que virou estrada?
Que deu em nada, numa praça de Brasília
Pros meninos de família brincar de queimada?
Seu moço, cara-pálida, cadê o índio?
Cadê porto seguro pra se ancorar?
O dono dessa terra há muito se funai
Vendendo eletrônicos do Paraguai
Reserva de garimpo não dá sangue não
Riachos de mercúrio, que pesca infeliz
Meu caro jesuíta avisa ao meu país
Que mata de concreto não dá caça não.
CAFUZOS CONFUSOS
Newton Baiandeira
Sou latino-americano
Índio, negro, branco, tropical
Vivo aos trancos e barrancos
Mamelouco dos arrancos
Um cafuzo em mais confuso caos
Negro escravo da balbúrdia
Torres de babel
Escapando de esparrelas
Cenas toscas de novelas
Nas senzalas desses carnavais
De mãos dadas, pão e circo
Com futuros tais
Que nos barcos cabralhantes
Navegados mares dantes
Prometiam mil anos atrás
CABOS DE OUTRAS TORMENTAS
Newton Baiandeira
Mares além, desde a Cruz de Malta
Que mal nos sobra e bem nos falta
Que ainda aguardamos Cabrais
Desses brasis tropicais
Pra devolver o cocar ao índio
Lavar do tronco o sangue escravo
Pra caravela singrar
Numa favela pra ver
Mares que então, nunca dantes
Quaisquer navegantes
Ousaram singrar
Cabos de toda tormenta
Onde o mar se arrebenta
E se inventa afogar
Há que se ver como o fado samba
Há que saber que o meu povo bamba
Mais do que algemas, grilhões
Desfaz armadas do caos
MISTURANÇA
Newton Baiandeira
Mameluco mamelouco
Cafuzo confuso
Tá me dando parafuso
Na cabeça, mãe!
Sou brasileiro
Sou latino-americano
Europeu e africano
Índio, branco, moreno
O que é que eu faço
Com essa personalidade?
Sou da roça, da cidade
Ai, meu Cristo redentor!
Caboclo, pardo, caipira, caipora
Sou de dentro, tô de fora
Fui embora, tô aqui
Na minha veia
Tem sangue de todo mundo
E eu, nesse buraco fundo
Sem saber pra onde ir
Já tive rei, imperador e presidente
Sou chegado num repente
Tiro um samba no tambor
A terra gira
E eu não saio do atoleiro
Sou pedaço? Sou inteiro?
Diga, mãe, o que é que eu sou?
CARA PÁLIDA
Newton Baiandeira
Éramos cinco milhões de índios
E somos alguns mil
Bravos silvícolas ameríndios
Qual é, Brasil!
Vimos de guerra em guerra
Tomando terras de gente inválida
Que importa a vida humana!
O que vale é grana pra cara pálida
Ô,ô.ô,ô!
Me dê a terra
Leva um espelho
Couro vermelho e tal
Enche a moringa
Um litro de pinga
Vinda de Portugal
Troco essa mina
Por cocaína
Dou Novalgina pra tu
Computador
Carro importado
Troco pelo Xingu
MARES MINERAIS
Newton Baiandeira
Eu sou mulato
Eu lavo prato
E o que houver de lixo
Sou mameluco
Já mamelouco
Um índio, pé-de-bicho
Sou itabirano
Bandoleiro urbano
Vivo a contar vagões
Refazendo metas
Sonhos de poetas
Que não saem da estação
Sou mameluco, cafuzo
Mulato, caboclo
Meu bloco é tambor
Tô mamelouco, confuso
Muleta, cotoco
de guerras de dor
Eu sou cafuzo
Ando confuso
Num chão de ouro em pedra
Homem de ferro
Me fere, eu berro
E minha alma não medra
E nessa canoa
Mares sou Pessoa
Nunca dantes navegados
Mares minerais não cabem a Cabrais
Toda, minha alma voa
ACORDE UNIVERSAL
Newton Baiandeira
Ouviram da Amazônia um gemido
Dos povos da floresta universal
Lamentos de uma fauna que ardia
No fogo do descuido nacional
Agonizante flora que sangrava
À lâmina sutil da clava forte
A lágrima de um rio a se exaurir
E geme quem te adora à própria morte
Ao som da serra elétrica
E profundos acordes de tambores
A canção em códigos envia pelo mundo
Mensagens de uma raça em extinção
Fulguras, ó Brasil, florão da América
Que ao despertar do sono mais profundo
Fechemos nossas mãos num laço fundo
Pra vida deste mundo respirar.
Éramos 5 milhões de índios. Somos alguns milhares.Dia 19 de abril é DIA DO ÍNDIO!
Não esqueça, não deixe que esqueçam! Newton Baiandeira
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